quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Querido diário,

Existem dias em que a minha única vontade é me enroscar no chão como um embuá e me esconder de tudo.
O choro tende a cair, mas eu não o permito: o enrosco.
As pessoas não entendem, as pessoas não sabem como é se sentir vazio mesmo repleto de coisas que te preencham.
É como encher uma garrafa de água com um furo na borda, o conteúdo nunca vai estar completo, ele vai sempre fugir.
Em dias de buá tudo o que eu desejo é que se acabe: o dia: a vida: a dor.
Yet still inside I felt alone for reasons unknown to me.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Querido diário,

Eu nunca dormia antes de você.
Parece bobo dizer isso, mas eu nunca fazia.
Eu esperava você se despedir e depois ia, mesmo exausto, eu nunca partia primeiro.
Eu gostava de ser o último a apagar a luz só pra ter a chance de te observar mais uma vez e rir do teu ronco e te beijar os olhos fechados, antes de viajar para os meus sonhos.
Hoje eu durmo perdido entre lembranças que se dissipam por entre histórias que eu nunca mais vivi, por entre roncos inaudíveis e olhos distantes de tanto fitar o passado.



domingo, 14 de agosto de 2016

Querido diário,

Algo me persegue todas as noites antes de repousar: lembranças. As recordações de coisas que nem aconteceram (mas que de tanto imaginar em algum universo ocorreram) me atormentam, assim como as que realmente existiram (essas doem pois ainda são latentes).
A dualidade do amor e do deixar ir sempre foi uma questão difícil. Por medo, eu sempre escolhi partir, só fiquei duas vezes, mas fui partido no fim. 
Karma.
Eu tive que ir novamente porque sentia as rachaduras se formando em meu coração, eu sentia o sangue vazando por veias entupidas, eu sentia a dualidade do eu, você e ele esperando uma estrela cadente cair e destruir os dois: três: um.
Apesar de tudo eu nunca disse o que eu queria dizer, mas acredito que era possível sentir. Ainda é possível sentir. Mesmo que as rachaduras cresçam e o sangue jorre e a dor aperte eu ainda sinto muito.
Por isso preciso ir.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Querido diário,

Espero por um olá ou um adeus com a esperança de que o vazio se dissipe e uma troca de pensamentos avulsos ocorra, mas então percebo que o vazio não pode ser preenchido por outro alguém: o vazio é meu: o vazio sou eu.
É obrigação minha ocupar o oco de mim, seja inundando com lágrimas ou sufocando com fumaça, é minha responsabilidade lidar com essa casca, vazia e oca que se regenera com o passar do tempo e dá lugar aos sentimentos bons. Tenho total controle sobre cada aspecto da minha vida e hoje decido desligar a negatividade e assistir o processo de reciclagem da dor.
Espero que quando a transmissão voltar tudo esteja bem.
E vai estar.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Querido diário,

É como se eu estivesse em uma floresta com árvores altas demais e eu não conseguisse enxergar o céu, o que me guia são os sons dos pássaros e das corujas. Alguns dias me deito junto as cigarras e deixo as formigas beberem minhas lágrimas, enquanto descasco a ferida do meu coração e compartilho o sangue com os mosquitos. Não sei o que sinto em relação ao que vejo quando vejo você, é como se eu estivesse em uma floresta com árvores altas demais e eu só consigo te ver, lá na clareira, me esperando para um abraço com um sorriso. E eu sei que vou te ver, te abraçar e sorrir, só preciso atravessar essa mata, para enfim ser teu.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Querido diário,

De noite costumo navegar em pensamentos para conversas onde peço perdão pelos meus atos, nesses dias a minha canoa está sem água, porque retiro cuidadosamente com a palma das mãos o acúmulo dos pesos que invadem a jangada no decorrer do percurso. Nesses dias o vento não é frio como de costume e não chove, até me atrevo a ficar de pé na ponta e abro os braços imaginando um vôo, direto pro fundo, onde eu poderei respirar em paz, porque nada vai me machucar.

domingo, 8 de maio de 2016

Querido diário,

Nos dias em que eu o amo demais o vento é como uma vórtice para lembranças.
Crio diálogos com um alguém inexistente entre argumentos que já passaram da validade, deixando a memória sem gosto.
E quando eu penso nisso eu só quero fugir, correr em velocidade máxima pra algum lugar escuro onde a memória dele não me faça doer, onde o cigarro leve embora através da fumaça a dor do que já se foi.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Querido diário,

Eu poderia listar várias coisas que me fizeram se apaixonar por você, mas acho melhor não.
Carrego comigo até hoje nossa primeira conversa, anotada em um livro, grifada na minha cabeça.
Uma conversa que deixou-me acordado a madrugada inteira, cochilando por poucas horas e acordando para a rotina de dois mil e treze.
Às vezes eu me imaginava deitado em teu peito nu e te ouvia respirar, enquanto o mundo ao meu redor era um caos, meu barco estava ancorado em teu cais.
As luas seguem suas fases: assim como nós seguimos as nossas, assim como você minguou e eu cresci, assim como você se foi e eu sofri.
Gato de Chesire, adeus.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Querido diário,

Quando eu encontro formigas na lata de açúcar eu as deixo em paz, elas lá e eu aqui: olhando a xícara com ratinhos, eu aqui e elas lá: nadando no doce do sonho. Algumas ainda sonham com o branco do leite que eu não botei no café, deixando o fim amargo e escuro.
Eu só queria que você viesse agora.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Querido diário,

Eu sou um talvez entre um sim e um não, eu sou um pouco entre o tudo e o nada, eu sou uma lágrima num show de rock, eu sou um flerte na missa das nove. Algumas memórias me abraçam tão forte que eu não consigo soltar, eu disse que ia guardar aquela lembrança para sempre: você deitado em cima de mim, eu rindo, a música no fundo que lembrava teu ex, não, não era assim, era assim: eu na sua cama, você com raiva, eu não sabia se te amava, você no sofá eu na cozinha, "deita aqui comigo". Susana Vieira na televisão te fazia rir, meu deus eu amava tanto você, poderia casar com teus olhos. Você no banheiro, porta aberta, a água te lavava o corpo, "você é o amor da minha vida", eu disse, e era? Era, naquele momento era: você era tudo o que eu queria. A escada rangia num degrau, se eu pulasse em você tua costa iria doer, como no dia em que me carregastes nela, obrigado, muito obrigado por tudo, obrigado por todo amor que eu senti, obrigado por me fazer chorar e rir, obrigado por me trair, obrigado por partir, obrigador por me partir, obrigado por partir e me partir, poderia te dizer "je t'aime" em outra vida se você reencarnar, mas acho melhor não.
Era sim assim: você deitado em cima de mim, eu rindo.
Koishteru.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Querido diário,

O reflexo no espelho me assombra mais que o normal.
Um grito ecoa quando enxergo o que sou, e o que eu sou? Desconheço-me.
O que eu conheço agora é somente a loucura que invade minhas veias como heroína opiácea que não salva ninguém no final.
Prendo-me no guarda-roupa para não enxergar a luz e excluir-me do mundo, aumentando a afirmação de que o meu mundo é mudo e triste. Quando a aranha que não era aranha pulou no meu ombro eu gritei tão alto internamente que abalei meu onirismo, e agora não sei o que é real, como se alguma vez eu tivesse conhecimento sobre tal assunto...
Eu juro que ouvi o som da câmera fotográfica ficar mais alto, a Mariana congelar no tempo, a janela do ônibus turvar ainda mais.
Eu juro que vi a mulher do banner mexer a boca.
I am so scared.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Querido diário,

De noite, na praia, não se pode ver o outro lado. É uma infinidade de ondas cinzas que embalam os corpos seminus dos banhantes. "Eu sou uma sereia", eu disse. E eu era, uma sereia sem cauda, porque quando a lua bateu em minhas pernas nuas e quando o momento era propício à transformação, uma onda enorme afogou-me. "Eu ainda sou uma sereia", eu disse. E eu era? Talvez eu fosse, talvez eu queria tanto ser que achasse que era, talvez no momento em que eu fechei os olhos, antes de tirar a roupa e entrar no cinza, em um universo paralelo eu criei uma cauda dourada magnífica e nadei até o outro lado, lá onde as conchas só abrem para o amor, onde alguém algum dia dirá como eu digo em uma música "serei a tua flor, sereia, meu amor".

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Querido diário,

No sábado as conchas se abrem para um mar claro de desejos e pérolas.
Eu desejei vê-lo, enquanto caminhava até o ramo para entrar em crisálida e cobrir-me com minha própria tristeza, e o vi.
Depois de criar asas, pousei em um bar e o revi, acendendo um cigarro do lado errado, ri.
Eu queria que ele visse meu riso, minha metamorfose, meu casulo, minha trilha de larvas e ele não viu, ele nunca vê, ele nunca verá.
No domingo as conchas se fecham para um mar obscuro, sem desejos, sem pérolas.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Querido diário,

Não foi por acaso que eu escutei aquela música, que eu lembrei daquele telefone, que eu chorei ouvindo heroes. Não foi por acaso que o ar-condicionado parou, que eu chamei o eletricista, que eu vi ele passar com a sombrinha amarela. Não foi por acaso que antes de tudo eu estivesse me sentindo tão sozinho: e continuo. Não foi por acaso o acaso que me trouxe até esse caso sem a, afinal: não estamos todos sozinhos no final?



terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Querido diário,

Hoje de tarde antes da chuva eu pulei o muro e andei até a outra rua.
Na volta, acendi um cigarro e fiquei parado, no meio do mato, olhando o nada e sentindo os pingos que caíam em mim. Quando olhei para cima vi uma árvore seca, igual essa que está presa em mim enquanto escrevo esse texto, e senti uma enorme felicidade triste. Percebi que todos os dias percorrendo o mesmo caminho nunca havia sequer notado a existência daquela árvore, daquele outro pedaço de mim, e concluí: é assim mesmo que eu faço com o amor.