sexta-feira, 2 de julho de 2021

Querido diário,

Eu servia o prato. Ele deixava restos. Eu queria comer tudo, até roer os ossos, como uma loba faminta, triturar o que ele deixou para que assim pudesse ter algo dele em mim.

Queria ter o cheiro dele em mim, queria ter o toque dele em mim. Queria sentir o peso dele em mim. Queria que ele me matasse.

Ele sentava à mesa e pedia frango cozido. Eu derramava um pouco de lágrima no caldo para que ele sentisse a minha dor, para que ao ingerir um pouco de mim, ele me quisesse, mas ele não queria. Ele nunca quis.

Eu rastejava até ele como uma moribunda, como se ele fosse o calvário, que me prenderia a cruz, que me levaria ao céu, mas ele só me apedrejava.

E uma melodia triste ecoava em minha mente, alternando um gemido de dor e a vontade de ser dele.

E quando ele não deixava restos eu quebrava o prato, eu pegava um caco pontiagudo e cortava a minha pele e gritava como louca no chão gordurento da cozinha, e todos viam e não sabiam o que fazer, mas ele não via, ele não se importava. E eu cortava os cabelos até ficar calva, e depois ficava muda, estátua, e as pessoas vinham até a mim e eu as mordia, porque não queria toque, não queria ser consolada, só queria ficar triste.

Sentada no chão sujo eu me enrolava em mim mesma, para me asfixiar, eu sou uma cobra sem veneno, eu sou uma mosca que o ronda, mas ele me espanta, ele me esmaga.

Um dia eu disse que quando ele viesse eu o diria que o queria, mas ele não veio, porque ele sabia do meu plano, e eu esperei na porta, e choveu muito, eu congelei de frio, e fez muito sol, eu me queimei.

Me tornei um pedaço de osso roído, ignorado por formigas e vermes, um osso oco que só espera o tempo o dissolver.

Perdão, perdão, eu não queria escrever isso.