domingo, 26 de setembro de 2021

Querido diário,

Foi em um sonho que eu disse a ele que o amava, mas quando acordou, logo esqueceu.
Não vos digo meu nome, pois é comum e logo esquecereis. Tampouco escreverei de modo coloquial, sou uma farsa. 
Não me convides para entrar em tua casa, pois jamais sairei. Sou como uma mancha de graxa num tecido branco que, dias e dias de molho, fede.
E não tentes me comprar com bijuterias falsas, por mais que eu saiba meu lugar, não mereço ser tratada como lixo.
Me enrosco em minhas mentiras e acredito nelas, pois são verdades para mim. Minto que sou bonita e minto que sou tua, mas minto mais ainda quando ouço-te dizer que me amas, porque não dizes, eu invento tudo, tenho imaginação fértil. Crio a mim mesma, porque sou invenção de alguém insone, mas existo sim em algum lugar do mundo, escondida invisível debaixo de uma mesa, como um rato em busca de migalhas no fogão, assim me escondo de tudo, pois sou irreal.
E quando digo tudo isso, evito ao máximo chegar no que quero dizer, e o que quero dizer é que eu te disse, mas você não me disse de volta, e o que não foi dito? Óbvio que não direi.
Cala-te! Cala-te! Bato em minha cabeça com o punho cerrado, esmagando uma carta inacabada, uma carta endereçada à ti, ó grandioso amor de minha morte, que és tão forte que matas o rato, o gato e o homem.
Na garganta dor e saliva escorrem e empurram de volta as palavras que quase saíram, e rezo em prantos, pois não rezava há anos, e nas minhas preces, silenciosas, pois estou muda, eu peço paz e distância do sofrimento em que me encontro nesse exato momento.
Então deito a cabeça em um travesseiro fino e fecho os olhos em busca de sossego e te vejo caminhando em direção ao mar, e és bonito, alto e forte. Me mandas um beijo e eu desmaio, não desmaio de verdade, apenas finjo, porque sei que gostas, porque assim me seguras. E quando te peço para que me esqueças, não é verdade, o que quero é que me leves para sempre em teu peito, em tuas memórias, pois quero sempre estar contigo.
E tu quem és? Não sei. Também não sei quem sou, mas me despeço de mim e de você, dizendo aquilo que te disse em sonhos, se é que era mesmo você.